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LOTEAMENTOS: REAJUSTES TORNAM IMPAGÁVEIS AS PRESTAÇÕES

     Os compradores que assinaram contratos estimulados pelo pequeno valor inicial das prestações mensais dos lotes ou das unidades vendidas na planta estão se surpreendendo nesse momento de desaquecimento da economia. Há contratos em que as prestações têm subido até 23,37% ao ano diante do acúmulo dos juros de 1% ao mês capitalizados com a correção anual de 10,37% do IGP/FGV. Caso o contrato preveja o IGP-M/FGV, que variou 9,27% (ago/19 a jul/20), o aumento da dívida no ano será de 20,89%. Se levarmos em conta a variação de 10,37% nos últimos 12 meses do IGP/FGV, capitalizada com 12,68% de juros previstos no contrato, o saldo sobe 24,36%. Portanto, 12 vezes a Taxa Selic que está em 2%, e nove vezes a inflação anual de 2,69% do INPC/IBGE, sendo muito lucrativo  financiar imóveis.
                   
     A queda drástica dos rendimentos das aplicações financeiras que poderá gerar rendimentos negativos nos CDBs e Fundos de Renda Fixa, tem motivado o crescimento expressivo compra de imóveis desde de alto padrão aos mais simples, como os lotes na região metropolitana. Para facilitar a compra por pessoas com renda limitada, são lançados lotes com áreas de 150 ou 200m², com pequena entrada e o restante do valor dividido em até 180 meses.
                   
     A aplicação de juros de 1% ao mês sobre as prestações corrigidas pelo IGP, resulta na taxa de 24%, que após quatro anos dobra o valor da dívida. Isso torna inviável pagamento à loteadora que, conhecendo os efeitos da matemática financeira, estipulou multa elevada e abusiva para lucrar com a rescisão.
                   
     Os compradores por não terem assessoria jurídica adequada acabam assinando contratos com cláusulas que ferem o Código de Defesa do Consumidor, a Lei nº 4.591/64, que dispõe sobre as incorporações em condomínios, bem como a Lei nº 6.766/79, que regulamenta o parcelamento do solo urbano e a venda de loteamentos.
 
MULTAS EXAGERADAS GERAM LUCRO E PODEM SER CONTESTADAS
         
     Os compradores ao rescindirem o contrato em decorrência do crescimento exagerado das prestações, têm perdido entre R$50 a 200 mil ao pagarem multas rescisórias ilegais. Há multa de 35% do valor do lote, que acrescida à comissão de corretagem faz o comprador que arrepender perder 40% do valor do lote. Essa penalidade é abusiva, pois a lei estipula que “o montante devido por cláusula penal e despesas administrativas, inclusive arras ou sinal, limitado a um desconto de 10% do valor atualizado do contrato”.
 
     Há contratos e transações irregulares que permitem o comprador exigir a devolução de tudo que pagou corrigido pelo índice contratual, sem que ele pague nenhuma penalidade, diante da ausência de dados que a lei determina serem obrigatórios constar no quadro de resumo, dentre eles: o valor do imóvel, as condições de pagamento com o índice de reajuste; as taxas de juros eventualmente aplicadas, se mensais ou anuais, se nominais ou efetivas, o seu período de incidência e o sistema de amortização; o valor que vencerá após a conclusão das obras; as dimensões e a demarcação do lote que deve ser custeada pelo loteador; a matrícula do Ofício que está registrada; o termo final para a execução do projeto referido no § 1º do art. 12 da Lei 6766/79 e a data do protocolo do pedido de emissão do termo de vistoria de obras; o valor referente à corretagem e suas condições de pagamento, além dos dados precisos do beneficiário;  as consequências do desfazimento do contrato, seja mediante distrato, seja por meio de resolução contratual motivada por inadimplemento de obrigação do adquirente ou do loteador, com destaque negritado para as penalidades aplicáveis e para os prazos para devolução de valores ao adquirente; as informações sobre os ônus que recaiam sobre os lotes; as informações acerca da possibilidade do exercício, por parte do adquirente do imóvel, do direito de arrependimento previsto no art. 49 do CDC; dentre outros. A lei proíbe a venda de lotes em locais impróprios para construir, onde ocorreu aterro com materiais nocivos, bem como em áreas de preservação.
 
DOCUMENTAÇÃO É PÚBLICA E DE LIVRE ACESSO
                   
     Cabe ao loteador e ao corretor apresentarem todos os documentos do loteamento ao interessado na compra, que deve analisar a minuta de contrato com seu advogado antes de pagar o sinal de negócio. Para evitar dúvidas, a lei garantiu esse direito ao determinar que “o processo de loteamento e os contratos de depositados em Cartório poderão ser examinados por qualquer pessoa, a qualquer tempo, independentemente do pagamento de custas ou emolumentos, ainda que a título de busca”.
                   
     É ilegal o ato do loteador impedir que o comprador do lote o transfira para terceiros, para poder cobrar uma comissão como se fosse um corretor de imóveis. Isso porque a lei estabelece: “o contrato particular pode ser transferido por simples trespasse, lançado no verso das vias em poder das partes, ou por instrumento em separado, declarando-se o número do registro do loteamento, o valor da cessão e a qualificação do cessionário, para o devido registro”. A cessão independe da anuência do loteador que não pode obrigar que o cedente ou cessionário lhe pague em decorrência dessa transmissão. Portanto, antes de assinar qualquer contrato ou de procurar rescindir o negócio é importante o comprador entender as leis, os cálculos e eliminar suas dúvidas, pois neste momento tão difícil de obteremos renda, qualquer erro tem custado muito caro.

 

Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio

 

Kênio de Souza Pereira

Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG

Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br