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EDIFICAÇÃO ALTERADA TRAVA RECEBIMENTO DE FINANCIAMENTO

    Diante do maior rigor dos Oficiais Registradores na análise das características da construção dos imóveis financiados pelos bancos, temos constatado o aumentado dos casos de vendedores que deixam de receber o valor do financiamento em decorrência da negativa do registro do contrato junto à matrícula do imóvel. O Oficial do Cartório de Registro tem alegado que o fato da Guia do ITBI ou do IPTU citar uma área construída maior do que a consta na matrícula, que foi acrescida após a concessão do Habite-se (denominado atualmente de Certidão de Baixa de Construção), impede o registro que transfere a propriedade.                       

     O interessante é que há vários casos de contratos que foram devidamente registrados e o crédito do vendedor liberado em transações realizadas há anos, sem as exigências que passaram agora a gerar transtornos para os vendedores. Tem ocorrido desgastes entre o vendedor e o comprador diante da exigência do cumprimento dos princípios informadores do direito registral imobiliário, dentre eles o da continuidade e da especialidade objetiva que exige a plena e perfeita identificação do imóvel na matrícula e nos documentos apresentados para registro.                       

     A venda realizada com o uso de financiamento ou com a utilização do FGTS dispensa a confecção da escritura no Ofício de Notas, pois o contrato de mútuo se equipara à escritura, o que gera economia ao comprador que deixa de ter despesas com o Ofício de Notas. Após ser assinado pelo vendedor e pelo comprador, ele deve ser registrado em nome deste, transferindo assim a propriedade. Diante da alienação fiduciária, o comprador passa a ser devedor fiduciante ao dar o imóvel em garantia ao banco, que se torna credor fiduciário. Somente após quitar a dívida do financiamento, o comprador passa a ter a propriedade de forma plena.           

     No caso de ocorrer a recusa de registrar o contrato de financiamento, o crédito do vendedor fica retido no banco, sendo liberado somente após a entrega da matrícula com o registro da transação, pois somente assim o banco terá segurança da garantia fiduciária.  Ao receber a nota devolutiva do Oficial Registrador o comprador e o vendedor ficam surpreendidos com a necessidade de elevados gastos para regularizarem a construção (casa, loja ou galpão ou apartamento térreo/cobertura), que exige novo Habite-se/Baixa de Construção e a CND do INSS dos empregados que fizeram a obra.           

     Logicamente, regularizar nova área construída tem um alto custo, além do risco de multas e conflitos com vizinhos ou com condôminos. É necessária a contratação de arquiteto ou engenheiro para fazer a planta e de advogado para verificar a documentação e formalizar o acordo, ou seja, quem assumirá tais custos que no momento da confecção do contrato de promessa de compra e venda não foi previsto.           

     A situação é complexa, pois a regularização gera valorização do imóvel, tornando-o mais comercializável. Cabe ao vendedor verificar se está tudo em ordem, sendo a assessoria jurídica preventiva o diferencial para evitar esses e outros transtornos. Caso contrário, o vendedor poderá vir a não conseguir levantar o dinheiro que receberia do financiamento enquanto perdurarem as pendências, ficando assim no prejuízo com a desvalorização da moeda.           

     Há ainda o risco do vendedor ter que pagar multa rescisória por não pagar outro compromisso, como a compra de outro imóvel, diante do bloqueio de seu crédito que tinha a certeza de que seria liberado no prazo de 30 dias após ter assinado o contrato de financiamento. Enfim, o vício do brasileiro em não atualizar os dados na matrícula do imóvel, seja, o estado civil ou as características da construção, gerará grandes prejuízos que os corretores de imóveis e os bancos não alertam, pois a esses interessa, antes de tudo, concluir a transação. Cabe a cada contratante, seja comprador ou vendedor, compreender as questões legais e técnicas que envolvem as transações imobiliárias, não podendo esperar que a imobiliária ou o corretor de imóveis venha a agir como seu advogado, pois este atua como consultor especializado em determinada área, que aprofunda em detalhes jurídicos e nos riscos que visa reduzir e não como promotor de vendas.

 

Esse artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio

 

Kênio de Souza Pereira

Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG

Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

kenio@keniopereiraadvogados.com.br