As pessoas têm o direito ao sossego, sendo o silêncio essencial para que ocorra o descanso, bem como para estudar e trabalhar, especialmente durante a Pandemia do Covid-19, que forçou milhões de profissionais a exercerem suas atividades laborais em casa e os estudantes a terem aulas virtuais. Apesar dessa situação, a atividade de construção civil não pode ser tolhida, tendo as construtoras e empreiteiros o direito de trabalhar normalmente, dentro dos limites da Lei nº 9.505/2008, que define o controle de ruídos em Belo Horizonte. O Alvará de Construção tem sua vigência condicionada ao respeito ao Direito de Vizinhança, o que impede que as construtoras pratiquem atos ruidosos acima dos limites legais, nos termos do art. 8º da referida Lei.
ALVARÁ DE CONSTRUÇÃO É CONCEDIDO COM LIMITAÇÕES
Não há alvará que autorize alguém a perturbar, a prejudicar os vizinhos ou causar danos aos muros, às casas e prédios localizados no entorno da nova edificação e, por saberem disso, as construtoras exercem sua atividade com cuidado para evitarem as reclamações de pessoas que residem ou trabalham ao redor da obra. Importante saber que cabe ao construtor, antes de iniciar a obra, entregar o Laudo de Vistoria Cautelar da casa/prédio vizinho, que demonstre o seu estado atual, devidamente assinado pelo perito/engenheiro e pela construtora. Caso a nova construção cause danos, este documento será a prova do que deverá ser consertado pela mesma. Portanto, a construtora tem o direito de edificar, não podendo os vizinhos criar obstáculos, sendo-lhes assegurados o direito de serem indenizados se sofrerem algum dano, como por exemplo, trincas nas paredes ou piso da sua moradia em decorrência do bate-estaca.
A construção civil gera riquezas e progresso ao empregar milhões de trabalhadores, o que explica a razão de não ter sofrido interrupção em decorrência do coronavírus. Entretanto, continua a ser proibida a utilização de serra circular, martelo, furadeira, martelete e demais equipamentos que causam ruídos acima de 70 decibéis antes das 10h. É compreensível que os vizinhos fiquem incomodados com a poeira, o barulho e a invasão de privacidade que atingem sua moradia, mas por ser impossível realizar uma obra silenciosa é necessário ter tolerância.
Consequências à saúde diante dos ruídos extremos
Com a queda da Taxa Selic, as aplicações financeiras perderam o atrativo, o que motivou o aumento do interesse das pessoas comprarem imóveis. Além disso, as instituições financeiras têm batido recordes de procura pelos financiamentos imobiliários, uma vez que as taxas estão muito atraentes. O resultado disso é o aumento expressivo de lançamentos pelas construtoras e consequentemente, o agravamento dos ruídos na vizinhança.
Sobre as consequências à saúde, a Votorantim Cimentos, no seu site, Mapa da Obra, na matéria Exposição a Ruídos é um dos Principais Riscos na Construção Civil, esclarece que:
“A perda de audição pode gerar zumbidos e outros fatores indesejáveis, como insônia, ansiedade e depressão. A diminuição da capacidade auditiva reduz o nível de atenção dos profissionais, deixando-os mais suscetíveis a acidentes.
Muitas atividades exercidas em obras de construção civil possuem níveis elevados de ruídos. Confira algumas:
110,6 dB – corte de piso esmaltado com serra mármore de bancada;
104,3 dB – corte e assentamento de granito;
103,2 dB – corte de junta de dilatação de piso com Makita;
99,9 dB – operador de bate-estaca;
98 dB – corte de madeiras com serra circular;
97, 5 dB – operador de elevador de materiais (concretagem);
92 dB – auxiliar de bate-estaca durante cravação de estaca.
Pessoas que ficam expostas a ruídos com mais de 85 dB por mais de 8 horas seguidas já estão suscetíveis a danos. Por isso, o uso do protetor auricular é imprescindível para evitar riscos na construção civil. A cada 5 dB a mais, o tempo de exposição deve ser reduzido em 50%. Exemplo:
Com 90 dB a exposição ideal é de no máximo 4 horas
Com 95 dB a exposição ideal é de no máximo 2 horas
Com 110 dB a exposição ideal é de no máximo 15 minutos”
Portanto, fica evidente que a ninguém é dado o direito de prejudicar a saúde, o sossego ou de causar incômodo de qualquer natureza, conforme estabelece o art. 2º da Lei 9.505/2008 e o art. 1.277 do Código Civil, mas nas áreas urbanas torna-se necessário ponderar o direito ao trabalho com o direito à saúde, o que é plenamente possível e racional.
INFRAÇÃO RESULTA EM MULTA DE IMEDIATO
O construtor e o engenheiro têm o dever de fazer o cronograma de obras de maneira que os ruídos, que não possam ser confinados, sejam produzidos somente entre 10h e 17h, de segunda a sexta-feira.
Caso a construtora ignore esses limites, qualquer pessoa pode denunciar ao órgão de fiscalização do município. Por esses equipamentos provocarem ruídos entre 98 a 112 decibéis, ultrapassam 40% em relação ao limite legal, o que resulta na aplicação de multa por infração gravíssima. Essa multa poderá ser de R$5.500,00 a R$10.000,00, que diante da reincidência pode triplicar, ou seja, chegar a R$30.000,00 e, caso persista o problema, resultará na interdição da obra.
Interessante ressaltar que o construtor se engana ao pensar que poderá vir a respeitar o limite de iniciar ruídos a partir das 10h00, sem pagar multa, somente após ser notificado pelo Fiscal da Prefeitura. Pelo fato dos ruídos desses equipamentos, mesmo há distância, gerarem a multa pelo menos grave, a lei estabelece que não caberá advertência. Determina no artigo 15 que “a penalidade de advertência será aplicada quando se tratar de infração de natureza leve ou média”. Em decorrência do martele, serra e até um martelo facilmente emitirem ruídos acima de 10% do limite estabelecido, a infração será grave, o que implica na aplicação imediata de multa, sem direito de ser previamente advertido.
Em geral, os construtores agem com sabedoria por procurarem os confrontantes antes de iniciarem a obra, para avisá-los de que estão à disposição para sanar qualquer incômodo, pois sabem que o risco de receberem uma fiscalização é enorme. Diante da apuração da denúncia, o Fiscal, ao perceber alguma outra irregularidade na obra – que não tenha relação com os ruídos – poderá interditar a atividade e até cassar o alvará, o que acarretará em dano muito maior do que se tivesse tido consideração com a vizinhança.
Belo Horizonte, 1º de julho de 2021.
Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis