A busca das pessoas pela agilidade e praticidade desprestigia o estudo do caso concreto e das circunstâncias específicas do negócio. É comum o equívoco desses práticos julgarem ser perda de tempo refletir sobre as particularidades inerentes às diversas situações, pois pecam por visar o caminho mais fácil, ou seja, a obtenção de um modelo de documento, contrato ou convenção de condomínio, como se todo negócio fosse parecido. Trabalham superficialmente, colocam uma viseira e enxergam apenas o objetivo, como se tudo no decorrer da transação (compra e venda, locação ou convivência condominial) desse certo automaticamente e assim tratam os documentos como mera formalidade, a ponto de às vezes imaginar que sejam desnecessários.
Dessa maneira passamos a entender o espantoso crescimento de processos judiciais que demoram anos para serem solucionados e têm elevado custo financeiro decorrente da falta de cuidado das pessoas no ato de contratar. É absurda a quantidade daquelas que alegam que não leram ou não entenderam as obrigações que assumiram. Quando surge o litígio é comum o contratante colocar a culpa nos outros, como se não fosse obrigação dele interpretar o que assinou e nem fazer cálculos sobre a evolução do seu compromisso financeiro.
É raro o contratante assumir que pediu um favor a um amigo, ou seja, um “quebra galho” que apenas deu “uma olhada” no contrato, já que acha estranho pagar pelo conhecimento alheio. No íntimo reconhece ser um abuso solicitar a um profissional que dedique seu tempo para analisar um contrato e diversos documentos sem nada pagar.
DESVALORIZAÇÃO DO CONHECIMENTO
Diante dessa postura das pessoas, verifica-se a banalização do conhecimento com a elaboração de documentos sem o menor critério. Basta observarmos que muitos contêm cláusulas que não possuem ligação com o negócio, falha decorrente do vício de copiar de forma aleatória, como se a pressa justificasse a negligência. Chega a ser inconsequente a atuação de alguns “supostos profissionais”, que se intitulam consultores, mas que se assemelham a máquinas reprográficas, que copiam modelos sem analisarem as particularidades de cada parte envolvida no contrato.
A evolução dos negócios e a complexidade do conhecimento têm exigido que os profissionais, sejam eles engenheiros, médicos, dentistas, administradores, advogados, contadores e outros mais, se especializem em áreas distintas, para que possam oferecer um serviço de melhor qualidade. Atualmente, o profissional generalista se tornou um perigo para o cliente, pois não há como uma pessoa dominar diversas áreas, frequentar dezenas de cursos de especialização e acompanhar leis e publicações especializadas que a cada dia oferecem dados para a atualização de quem presta serviços fundamentais para a segurança para seus contratantes.
Muitos problemas seriam evitados se houvesse um aprofundamento nas motivações e na expectativa do cliente em relação ao negócio, uma análise isenta sobre o objeto convencionado e os reflexos da transação, além do cuidado em verificar se a outra parte tem condições de cumprir o contratado. Isso exige reflexão, experiência, interesse em ouvir, raciocínio lógico e matemático e muito tempo. Limitar-se a modelos é o primeiro passo para errar e quem é profissional sabe disso.
O vício dos estudantes de copiar e colar da internet não tem lugar no mundo dos negócios. Na escola aceita-se errar 30%, já que se é aprovado com média de 70 pontos. Entretanto, numa transação real o erro de 1%, pode inviabilizar o negócio. Certamente há cliente que afirma que a solução é simples para desvalorizar o serviço e assim paga tão mal que merece o resultado oferecido por um estudante.
As grandes empresas valorizam uma consultoria jurídica e técnica, pois sabem que um erro pode ser desastroso a ponto de comprometer muito mais que todo o empreendimento. Muitas pessoas físicas, condomínios e os pequenos empresários não têm percebido o risco que correm ao utilizar modelos, pois não estão habituados aos prejuízos decorrentes de demandas judiciais. Só reconhecem o erro após a consolidação de prejuízos elevados. Quando a “bomba estoura” alguns tentam justificar colocando a culpa na Justiça, esquecendo-se de que poderiam ter agido de forma segura ao contratarem uma redação profissional dos documentos.
CUSTO COM CONSULTORIA É INVESTIMENTO
Muitas pessoas têm uma enorme dificuldade em assumir seus erros e se tornam experts em criar as mais diversas justificativas para evitar os ônus de seus atos. Dessa maneira, cabe ao advogado especializado que aceita a tarefa de elaborar o contrato ou convenção, refletir bastante quanto ao valor dos honorários que serão cobrados, pois deverá ter em mente que, caso ocorra algum problema, o cliente poderá lhe imputar os prejuízos.
Para evitar o aviltamento do valor dos honorários, a Ordem dos Advogados do Brasil estipula que o advogado deve cobrar o percentual de 4% do valor da transação para assumir a redação do contrato. O Conselho Regional de Corretagem de Imóveis determina que o corretor de imóveis deverá exigir, no mínimo, o valor correspondente a um mês de aluguel pela redação do contrato de locação e no caso da venda em Minas Gerais o percentual de 6% do valor da transação.
Somente o amador ou recém formado cobra honorário baixo pela redação de documento, já que poderá estar aprendendo com os erros. A cobrança da execução do serviço não está condicionada ao sucesso do negócio, pois o advogado não é sócio do negócio e sim prestador de um serviço.
Como em várias outras atividades, o valor cobrado pelo serviço é proporcional ou decorrente da magnitude da transação, pois a responsabilidade é relativa, da mesma forma que ocorre com o Estado, que cobra as custas do processo conforme o valor da causa, sendo que o mesmo se observa nos cartórios para lavrar e registrar uma escritura de compra e venda.
Deve ser levado em consideração que no caso de uma compra e venda, ocorrendo um litígio entre as partes, é comum o custo dos honorários de um advogado girar em torno de 10 a 20% do valor do bem, sendo que as custas processuais e perícia poderão representar 5%, a multa rescisória 20%, além dos lucros cessantes e danos morais, ou seja, o risco de prejuízo supera facilmente 40% do valor do negócio.
Dessa maneira, fica evidente que a remuneração paga ao profissional que elabora um contrato configura investimento diante da segurança que transmite ao seu cliente, em razão deste poder conter cláusulas que evitam o litígio.
EXPERIÊNCIA JUNTO AO PODER JUDICIÁRIO
Os profissionais habituados a enfrentar os processos judiciais sabem como é importante a elaboração precisa de cláusulas que prevejam todas as situações. A experiência orienta evitar redação conflitante ou contraditória, já que a cada dia vemos julgamentos equivocados, o que é explicado em parte pelo fato do um juiz ter sob sua responsabilidade 10 mil processos. É arriscado contar com a sorte e com a eficiência de um magistrado sobrecarregado.
A redação confusa tem sido uma boa aliada daquele que é mal intencionado, já que obtém bons lucros com a ingenuidade de muitos acharem que todo mundo é honesto.
Quanto às construtoras, estas aceitam que seus contratos sejam reequilibrados quando o advogado do comprador demonstra, de forma profissional, ser inviável manter a redação do modelo elaborado para proteger somente a empresa fornecedora.
MODELO NÃO ABRANGE PARTICULARIDADES
Consiste numa deselegância solicitar um modelo ou solução a um profissional sem previamente contratar seus serviços, pois este investiu muito dinheiro, esforço e anos de estudo para dominar determinada matéria ou tipo de serviço. A redação de contratos e convenções consiste num desafio que poucos estão aptos a executar com maestria, pois não se limitam ao instrumento, já que exige análise de diversos documentos e de vários procedimentos para que não ocorram irregularidades que podem resultar até na nulidade ou rescisão.
Quanto aos condomínios, a cada dia surgem novos tipos de empreendimentos, alguns com centenas de unidades residenciais que se assemelham a pequenas cidades com áreas de lazer mais completas que alguns clubes. Logicamente, não há como utilizar o mesmo padrão de convenção para um empreendimento de luxo e para outro mais simples ou ignorar que num prédio com garagem rotativa há várias regras específicas.
Uma convenção bem elaborada consiste em fator de pacificação na convivência entre os moradores, podendo deflagrar conflitos caso contenha falhas.
Da mesma maneira, numa locação onde o inquilino executará obras ou numa compra e venda onde há diversas formas de ajuste do pagamento, o uso de modelos de contratos poderá ser o início de conflitos.
Não pode o comodismo justificar a não reflexão. A pressa em se livrar do serviço pode gerar um transtorno duradouro, que poderá eliminar a expectativa de lucro.
Belo Horizonte, 28 de julho de 2014.
Este artigo foi publicado na Revista Diário das leis – BDI.
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Kênio de Souza Pereira
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG (2010 a 2021)
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do SECOVI-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Membro e ex-Diretor-adjunto em MG do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
Árbitro na Caminas – Câmara Mineira de Arbitragem Empresarial
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