LEI PROTEJE BANCO E AUMENTA PREJUÍZO DE QUEM PERDE A MORADIA
Agora é lei. Sancionada e publicada no dia 28/08/2017, a Lei 13.476/2017 confirmou e firmou o temor que tivemos ao ler a MP 775/2017, em especial o teor de seu artigo 9º. Esse artigo prejudicará milhares de adquirentes de imóveis que utilizaram os financiamentos imobiliários para adquirir a casa própria.
Há mais de 15 anos a alienação fiduciária passou a ser a garantia mais utilizada nos financiamentos, tendo assim substituído a hipoteca que no caso de inadimplência do mutuário demorava em média 5 anos para que este perdesse o imóvel.
Antes da Lei 13.476/2017, no caso de impontualidade das prestações, o agente financeiro/credor fiduciário solicitava ao Oficial do Registro de Imóveis que notificasse o devedor para pagar a dívida no prazo de 15 dias. Caso o devedor/fiduciante não quitasse a dívida, o credor/fiduciário pagava o ITBI para o município e consolidava a propriedade em seu nome. Após, consolidada a propriedade, a Instituição financeira promovia o leilão e na hipótese do valor auferido ser insuficiente para quitar toda a dívida, o devedor/fiduciante tinha automaticamente a quitação do saldo devedor do financiamento. Desta forma, nos termos dos parágrafos 5º e 6º do art. 27, da Lei 9.514/97, o devedor perdia a moradia, mas ficava isento de pagar o valor restante do saldo devedor, o que lhe trazia determinada tranquilidade. Vejamos os dois parágrafos que não mais protegerão o devedor:
Art. 27. Uma vez consolidada a propriedade em seu nome, o fiduciário, no prazo de trinta dias, contados da data do registro de que trata o § 7º do artigo anterior, promoverá público leilão para a alienação do imóvel.
[….]
5º Se, no segundo leilão, o maior lance oferecido não for igual ou superior ao valor referido no § 2º, considerar-se-á extinta a dívida e exonerado o credor da obrigação de que trata o § 4º.
6º Na hipótese de que trata o parágrafo anterior, o credor, no prazo de cinco dias a contar da data do segundo leilão, dará ao devedor quitação da dívida, mediante termo próprio.
OUTROS BENS DO DEVEDOR RESPONDERÃO PELA DÍVIDA
Agora, conforme o art. 9º da Lei 13.476/2017, caso a moradia financiada seja arrematada por um valor inferior ao saldo devedor somado à dívida em atraso, o agente financeiro/credor fiduciário moverá um processo judicial contra o devedor e exigirá que quite o valor remanescente. Vejamos a nova regra:
Art. 9o Se, após a excussão das garantias constituídas no instrumento de abertura de limite de crédito, o produto resultante não bastar para quitação da dívida decorrente das operações financeiras derivadas, acrescida das despesas de cobrança, judicial e extrajudicial, o tomador e os prestadores de garantia pessoal continuarão obrigados pelo saldo devedor remanescente, não se aplicando, quando se tratar de alienação fiduciária de imóvel, o disposto nos §§ 5o e 6o do art. 27 da Lei no 9.514, de 20 de novembro de 1997.
Portanto, os demais bens que compõe o patrimônio do devedor (lote, loja, veículos, casa que não seja a única moradia ou imóvel que seja seu local de trabalho) responderão pelo débito que ficou em aberto.
A situação toma contornos mais críticos, pois diante da retração do mercado imobiliário a partir de 2014, constata-se que os imóveis caíram de preço enquanto os saldos devedores continuam a subir em torno de 10% a 14% ao ano (juros mais TR). Esse cenário agrava a situação do devedor com o descasamento do preço do imóvel em relação ao valor das prestações/dívida que aumentam cada dia mais.
LEI AFRONTA A QUESTÃO SOCIAL – IGNORA A CRISE E O DESEMPREGO
O art. 9º da Lei 13.476/2017 – que tinha como foco reduzir as fraudes e ampliar a segurança jurídica do mercado financeiro – consiste numa insensibilidade social, sendo um retrocesso. Nesse momento o Brasil passa pela maior crise econômica de sua história, com o recorde de desemprego que supera a 14 milhões de trabalhadores, que se considerados os que pararam de procurar emprego supera a 22 milhões. Essa situação resultou no crescimento da inadimplência em todos os setores, sendo que nos financiamentos imobiliários, só na Caixa foram retomados e levados 15.881 imóveis em 2016, portanto 81% a mais se considerados os 8.775 imóveis de 2015. A moradia se trata de uma questão social que representa uma das maiores despesas de uma família. Tendo em vista que as instituições financeiras têm obtido a cada ano recordes de lucratividade, inclusive no atual momento de crise econômica, não tem sentido a imposição do art. 9º que foi inserido posteriormente na MP 775 (sancionada em apenas 6 dias e que passou ser a lei 13.476/17) que visa proteger ainda mais os banqueiros em detrimento de quem perde a moradia.
CONSTRUÇÃO CIVIL É DESESTIMULADA
A Lei 13.476/2017, ao determinar que não deverá ser aplicada a proteção da Alienação Fiduciária (art. 27 da Lei 9.514/97) que tinha como limite o bem imóvel para ser tomado pelo credor, gerará um desestímulo ao crescimento dos novos financiamentos, já que os pretendentes à aquisição de imóveis possuírem outros bens ficarão receosos de vir a perdê-los caso se tornem inadimplentes. Haverá maior receio quanto à decisão de contrair um financiamento, já que somente os bancos é que passam a ser protegidos de maneira ampla e implacável contra o adquirente que é a parte mais fraca da relação contratual.
É um contrassenso o Governo Federal inserir o referido art. 9º, porque prejudicará a retomada da construção civil que é a maior geradora de empregos no país.
DEVEDOR NÃO CONSEGUIRÁ NEM ALUGAR OUTRA MORADIA
Dessa maneira, os Agentes Financeiros terão maior lucratividade, pois mesmo que não se preocupem em obter um valor de arrematação adequado no leilão, saberão que não terão quaisquer perdas no caso de o imóvel leiloado não atingir o valor total da dívida corrigida. Sobrando algum débito será proposta uma ação de execução contra o devedor, que terá ainda seu crédito negativado (Serasa, SPC e no Poder Judiciário) em decorrência do processo. Assim, o devedor terá enorme dificuldade em alugar um imóvel, obter talão de cheque, cartão de crédito ou qualquer empréstimo.
Belo Horizonte, Setembro 2017
Este artigo foi publicado na Revista BDI Diário das Leis.
Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
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