Projeto que regulamenta desistência do imóvel beneficia construtoras e protege os compradores de multas abusivas
A desistência do imóvel agora tem novas regras. Nessa quarta-feira (06/06) a Câmara Federal aprovou o Projeto de Lei nº 1.220-A de 2015, que “disciplina a resolução do contrato por inadimplemento do adquirente de unidade imobiliária em incorporação imobiliária e em parcelamento de solo urbano”, tendo como principal questão o estabelecimento do limite de até 50% de multa no caso da incorporação estar sob o regime de patrimônio de afetação, sendo que a multa passará a ser de até 25% nos casos de empreendimentos não afetados. O projeto segue para o Senado para aprovação, o que deverá ocorrer com celeridade diante da pressão do lobby das construtoras. Em ambos os casos, além da multa estipulada no contrato, que poderá ser em percentuais inferiores aos referidos limites, o comprador arcará com o pagamento da comissão de intermediação que tiver sido paga ao corretor de imóveis e dos impostos decorrentes dessa rescisão.
Na prática, serão raros os casos de rompimento da compra em decorrência de arrependimento do comprador que resultará no pagamento de multa de 50%, pois a maioria dos empreendimentos do país são realizados sem o patrimônio de afetação – que consiste na atitude da construtora criar um CNPJ distinto para o empreendimento, separando todos os recursos recebidos dos adquirentes e os compromissos dessa obra numa contabilidade sem qualquer ligação com a da empresa. A grande parte das construtoras não gostam de ter os recursos fiscalizados, e assim se negam a fazer o patrimônio de afetação no lançamento de cada obra. Assim, caso a construtora venha a falir, esse problema não prejudicará o empreendimento afetado, que terá a construção continuada para que os compradores possam ter a posse das unidades.
De acordo com o projeto, no caso de patrimônio afetado, o adquirente que desistir receberá seu crédito, após descontada a multa e a comissão de corretagem, somente após o empreendimento ficar pronto, tendo a construtora o prazo de 30 dias para pagar a contar da concessão da Baixa de Construção, também conhecida por Habite-se.
A maioria das rescisões terá limite de 25%
Pelo fato de a maioria dos empreendimentos negociados na planta não possuírem patrimônio de afetação, em grande parte dos casos a multa será de até 25%. Entretanto, poderá o adquirente, antes de fechar o contrato, negociar com a construtora um percentual de multa menor, especialmente no caso do patrimônio de afetação, pois com o mercado desaquecido há maior possibilidade de ajustar as cláusulas. O que a lei estipula é o limite máximo e não o mínimo da multa.
A proposta aprovada pela Câmara Federal beneficia as incorporadoras e construtoras, pois rejeitou a ideia inicial de limitar a multa em 10%. A maioria das decisões judiciais dos Tribunais de Justiça Estaduais e do Superior Tribunal de Justiça estimulam que a multa por rescisão em decorrência de arrependimento do adquirente é de 10%, sendo que somente em casos excepcionais ela atinge 25% de maneira a cobrir os custos com a comissão de corretagem que tiver sido paga pela construtora.
Rescisão de lote: multa limitada a 10% com pagamento de fruição de 1% ao mês sobre o valor total do contrato
Além de criar o artigo 43-A da Lei nº4.591/64 que regulamenta a venda de unidades em construção em condomínio, o projeto de lei cria também o artigo 32-A na Lei nº 6.766/79 que trata da venda de lotes nos novos loteamentos.
Foi aprovado que caso o adquirente desista da compra do lote terá que pagar além da multa de até 10% do valor atualizado do contrato, a quantia de até 1% de fruição ao mês sobre esse valor, sendo que esse prazo será contado a partir da data de transmissão da posse ao adquirente até a sua restituição ao loteador. Esses percentuais se apresentam muito elevados, pois resultam em penalidades que façam o adquirente perder tudo, caso a rescisão ocorra após passados alguns anos a contar da compra. Diante disso, é importante o adquirente exigir a redução da fruição no contrato, para evitar um prejuízo inaceitável.
Além de pagar a multa e a fruição, serão descontados do valor a ser restituído ao adquirente, os débitos com IPTU, quotas de condomínio ou taxa associativa (se for loteamento fechado) e as custas e emolumentos incidentes sobre a restituição e rescisão.
A restituição será realizada em 12 meses, a contar da carência de 180 dias que se inicia após a formalização da rescisão do contrato, condição essa que beneficia o loteador em detrimento do adquirente, o qual deve tomar cuidado ao firmar o contrato de promessa de compra e venda.
Construtoras foram beneficiadas
O setor da construção civil foi favorecido ao obter a aprovação com base no limite de 25% sobre o valor que tiver pago, tendo assim consagrado o percentual mais elevado da penalidade que era concedida pelos Tribunais em apenas alguns casos. Teve ainda a vitória descontar do valor a ser devolvido ao adquirente o custo da comissão de corretagem.
Outro ponto que demonstra a força do lobby dos construtores está no prazo exagerado que eles terão para devolver o crédito do comprador. Não tem sentido o comprador ter
que esperar 180 dias, a contar da data da formalização da rescisão para receber o saldo de tudo que pagou. Esse prazo de seis meses prejudicará o adquirente que ficará impossibilitado de comprar outro imóvel ou fazer outro tipo de negócio.
Projeto tem falha que prejudica o comprador
Diante da justificativa de que o objetivo do projeto é reduzir o número de processos judiciais que, maliciosamente, os construtores dizem que decorrem do arrependimento dos adquirentes, os especialistas percebem que há uma grande falha que prejudica os consumidores. Na verdade, a maioria dos processos existentes são motivados pelo descumprimento das construtoras que não entregaram as obras no prazo contratado. O problema é a má-fé das construtoras, que mesmo diante do atraso em torno de um a dois anos, os construtores se recusam a aceitar a rescisão que eles provocaram e se negam a devolver o valor pago pelo adquirente.
A falha do projeto é que ele não prevê uma penalidade a ser aplicada ao construtor que, passados os 180 dias resolva continuar com o vício de não pagar o crédito do adquirente.
O que vemos na prática é a má-fé da maioria dos construtores, que inserem nos seus contratos de promessa de compra e venda, multas somente contra os adquirentes, em percentuais entre 60% a 80% do que esses tiverem pagado pela unidade.
A segunda falha é que o projeto não prevê que a mesma multa que pode ser cobrada do comprador, deva obrigatoriamente constar no contrato para ser paga pela construtora caso ela seja a inadimplente com suas obrigações contratuais. A situação de abuso aumenta quando é a construtora que motiva a rescisão por não entregar a moradia no dia pactuado, pois neste caso, sendo a infratora, diante do contrato equilibrado, deve pagar a multa de 25% ao adquirente que teve a frustração de não receber a moradia. Na maioria dos contratos, maliciosamente, a construtora deixa de inserir a multa contra ela, mas mesmo quando ela é prevista, simplesmente não a paga. Força o adquirente ajuizar uma ação para receber o que é devido.
Essa é a verdade dos milhares de processos judiciais em andamento no Poder Judiciário, pois as construtoras giram o dinheiro dos adquirentes ao se beneficiarem da demora de anos para ocorrer o transito em julgado do acórdão que as obriga a devolver o valor que pertence ao adquirente.
Lei limitará o abuso de construtora que cobra 80% de multa
Sendo aprovado o projeto pelo Senado, no limite de 25%, ajudará os pretendentes à compra de unidades imobiliárias ao inibir que as construtoras insiram os absurdos 60 a
80% de multa sobre o valor total das parcelas pagas pelos adquirentes, casos esses desistam.
O limite de multa de 50% do caso de rescisão de unidade sobre o regime de patrimônio de afetação se mostra exagerado, pois levando em consideração que em geral a comissão gira em torno de 5% do valor total do imóvel, o resultado final será o adquirente perder 60% de tudo que pagou caso venha a se arrepender.
Quanto ao limite de 25% sobre o que foi pago pelo adquirente no caso dos demais empreendimentos, se mostra razoável para inibir qualquer aquisição sem previa reflexão. Entretanto, vindo a ocorrer a rescisão, ao ter o adquirente que pagar a comissão de 5% sobre o total do imóvel, que seja por exemplo no valor de R$700.000,00, isso resultará no prejuízo de mais R$35.000,00.
A estipulação de regras quanto ao distrato de compra de imóveis tem o benefício de melhorar a segurança jurídica, tornando os direitos, obrigações, percentuais e prazos mais claros. Isso facilita a redação dos contratos, inibe as polêmicas e estimula a rescisão amigável. O juiz, no caso de continuar o vício da construtora em se recusar a pagar o crédito do adquirente, mesmo após descontada a multa, terá melhores condições de julgar em prazo menor. O problema é que o adquirente só poderá iniciar o processo de cobrança da multa após transcorrer os 180 dias de prazo e uma vez que a nova lei simplesmente o impedirá de exigir seu direito de imediato, como até o momento a lei atual permite.
Rescisão após o comprador estar na posse do imóvel
Ocorrendo a desistência e rescisão, já estando o comprador na posse da unidade imobiliária, tendo a construtora cumprido em dia todas as suas obrigações, caberá ao adquirente desistente arcar com a multa pactuada no contrato, até o limite de 50% (no patrimônio de afetação) ou de 25% sobre o valor pago nos demais casos.
O valor que deverá ser devolvido ao adquirente será corrigido conforme o índice do contrato, sendo descontada a multa, a comissão de corretagem, mas também o IPTU, quota de condomínio que estiver em aberto, e ainda, a fruição. A fruição se assemelha a um aluguel, ou seja, uma indenização mensal pelo uso do imóvel, sendo que esse valor ou percentual deverá constar no contrato ou na falta de previsão será decidido, conforme o caso, pela justiça.
Má-fé de construtoras não é punida – Ações continuarão a crescer
É fundamental que o projeto conste uma penalidade expressiva aplicável contra o construtor que insistir em não pagar o crédito do adquirente, de maneira a forçar que este tenha despesas com advogados e custas judiciais com o processo judicial que vise a receber os valores pagos. Sem essa penalidade, cai por terra a principal bandeira dos criadores do projeto, que dizem que ele tem o objetivo de “reduzir o número de
processos na justiça”. Sem uma penalidade, certamente, as construtoras continuarão protelando o pagamento dos credores/adquirentes, forçando-os a procurar o Judiciário, pois lucram com esse procedimento e desestimulam outros a rescindir mesmo quando há longo atraso na entrega da obra.
Atraso da construtora tem penalidade pequena
Fica evidente a força do lobby das construtoras ao constatarmos que essas têm o prazo de seis meses para atrasar, sem que tenham qualquer penalidade. Mas, após esse prazo de tolerância, não sendo entregue a unidade ao adquirente, este poderá optar pela rescisão do contrato, exigindo a devolução integral de tudo que pagou, corrigido pelo índice do contrato, devendo cobrar a multa rescisória que somente será paga se constar de maneira clara no contrato de promessa de compra e venda. Esse pagamento somente poderá ser exigido 60 dias após a formalização do distrato.
No projeto, poderá o adquirente que ficar sem onde morar, em decorrência do atraso de seis meses por parte da construtora, caso não tenha multa prevista no contrato, exigir, apenas a indenização de 1% do valor já pago à incorporadora por cada mês de atraso, sendo que esse valor deverá ser corrigido pelo índice do contrato. Na maioria dos casos, o valor será ínfimo, correspondente a uma pequena fração do valor que seria suficiente para pagar um aluguel e compensar os aborrecimentos enfrentados pela família do adquirente.
Senado pode mudar pontos importantes
Durante a votação na Câmara, os deputados da oposição tentaram aprovar diversas vezes emendas reduzindo a multa para 10%, mas não tiveram sucesso. Certamente, os senadores que têm visão mais realista do tema, tentarão melhorar o projeto que será votado no Senado, podendo aprimorar os seguintes pontos para torna-lo mais equilibrado:
a) reduzir os percentuais de multa, especialmente no caso dos 50% de multa para o empreendimento afetado, que se mostram exagerados;
b) reduzir o abusivo prazo de 180 dias para que o construtor devolva o crédito ao adquirente desistente;
c) Permitir que o adquirente desistente no caso do patrimônio de afetação receba seu crédito no prazo menor, antes da concessão do Habite-se;
d) estipular que a multa cobrável do adquirente, constará obrigatoriamente em todos os contratos que é bilateral, ou seja, caso a construtora ou o loteador descumpra suas obrigações, pagará o mesmo percentual e valor previsto contra o adquirente, mesmo se maliciosamente o construtor deixar de inserir isso no contrato;
e) que a indenização que a construtora pagará no caso de atrasar, além da tolerância de 180 dias, de 1% ao mês sobre o valor quitado pelo adquirente, seja efetivamente paga a partir do 1º dia que ultrapassar a tolerância, sob pena desse percentual
passar a incidir sobre todo o valor do contrato, caso não pague após receber notificação com prazo de 15 dias para cumprir sua obrigação, podendo ainda o credor preferir aplicar a multa por infração contratual, sem que tenha que rescindir o contrato.
f) estabelecer penalidade de 50% de acréscimo do valor do crédito a receber do adquirente, mais juros de 1% ao mês, a contar do 1º dia após o prazo dado à construtora, caso ela não pague espontaneamente o valor a ser restituído ao adquirente. E ainda, tendo este que contratar um advogado, caberá à construtora indenizar os honorários advocatícios desembolsados pelo adquirente na base de 20% sobre todo o montante devido, sem prejuízo de ter que pagar os honorários de sucumbência, pois estes pertencem ao advogado. Assim, haverá estímulo para que as construtoras respeitem as leis e deixem de lucrar com a demora dos processos judiciais que elas provocam.
g) a obrigação da construtora pagar danos morais na base de 20% do valor do contrato, além dos danos materiais nos casos que ela desviar os recursos recebidos dos adquirentes e que deveriam ser empregados somente na obra que foi vendida, independentemente dela conter “patrimônio de afetação”. Tal regra se trata de moralidade e honestidade e evitará os milhares de calotes que têm deixado famílias sem a moradia e sem os recursos que desaparecem.
Este artigo foi publicado no dia 11 de junho, na coluna do Kênio Pereira, do jornal Hoje em Dia. Leia o artigo aqui.
Kênio de Souza Pereira
Advogado e presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG
Vice-diretor em MG do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM) keniopereira@caixamobiliaria.com.br
Tel: 2516-7008.