Airbnb e outros aplicativos de hospedagem geram polêmicas entre os moradores
Estimulados pela demanda da Copa do Mundo de 2014, da Olimpíada de 2016 e diante do agravamento da crise econômica, constata-se o crescimento do volume de pessoas que decidiram alugar seu apartamento ou um quarto deste para turistas, por alguns dias, como forma de obter renda extra. Por não ser um hotel regulamentado o proprietário do apartamento anuncia a oferta em sites e em plataforma na internet que conecta viajantes com pessoas que desejam alugar um quarto ou imóvel, por temporada, como por exemplo o Airbnb que tem 65.000 propriedades divulgadas no mundo.
Este modelo, que já funciona há anos no exterior, está causando grande discussão entre síndicos e proprietários de apartamentos. Os que desejam alugar um quarto alegam que seu direito de propriedade não pode ser limitado, enquanto que os demais condôminos afirmam que essa locação prejudica a segurança do edifício, pois é dada a posse a um estranho que passa a ter acesso às dependências do prédio sem nenhuma avaliação ou cadastro prévio.
A oferta funciona assim: pelo site o proprietário oferece um quarto ou o apartamento para hospedagem do turista, sendo o preço apresentado por diária. O turista seleciona quantos dias deseja se hospedar, realiza o pagamento e o proprietário recebe os valores das diárias, após abatidas as taxas decorrentes da intermediação de locação.
Conforme a Lei 11.771/08, que dispõe da Política Nacional de Turismo, esse tipo de oferta configura hospedagem, por se tratar de serviços de alojamento temporário pagos por diária. Portanto, jamais o proprietário de um apartamento se enquadraria nessa norma legal, que exige cadastro e a observância de leis próprias, nos termos do art. 23, que estabelece:
Art. 23. Consideram-se meios de hospedagem os empreendimentos ou estabelecimentos, independentemente de sua forma de constituição, destinados a prestar serviços de alojamento temporário, ofertados em unidades de frequência individual e de uso exclusivo do hóspede, bem como outros serviços necessários aos usuários, denominados de serviços de hospedagem, mediante adoção de instrumento contratual, tácito ou expresso, e cobrança de diária.
(…)
§ 4o Entende-se por diária o preço de hospedagem correspondente à utilização da unidade habitacional e dos serviços incluídos, no período de 24 (vinte e quatro) horas, compreendido nos horários fixados para entrada e saída de hóspedes.
CONVENÇÃO PROÍBE A EXPLORAÇÃO DE HOSPEDAGEM
Considerando que a locação mediante pagamento de diária configura-se como serviço de hotelaria, sua prática fere a destinação residencial do edifício que está prevista na convenção. Com isso, o condomínio pode impedir este tipo de negócio e multar o proprietário que o praticar, sob o fundamento do aumento da insegurança diante da multiplicidade de ocupantes temporários, não tendo o condomínio como controlar o referido fluxo de pessoas, já que não possui estrutura de um hotel.
Somente se a unanimidade da totalidade dos condôminos viesse a aprovar a alteração da convenção, passando a autorizar hospedagem diária, poderia vir a ser permitida esse tipo de ocupação, nos termos do artigo 1.351 do Código Civil. Nesse caso, o condomínio deixaria de ser residencial/familiar para se tornar um empreendimento comercial, como um apart-hotel ou hotel.
Após a aprovação unânime, o proprietário que desejasse locar seu apartamento neste modelo deverá ainda se adequar às exigências para prestação de serviços de hospedagem, que estão previstas na Lei 11.771/08 (art. 23, parágrafo 1º, cadastro do Ministério do Turismo) e no Decreto 7.381/10. Além disso, teria que realizar o registro na EMBRATUR (Empresa Brasileira de Turismo), nos termos do artigo 3º, do Decreto 84.910 de 1980.
SISTEMA BRASILEIRO DE CLASSIFICAÇÃO DE HOSPEDAGEM
Os apartamentos em condomínios que são regulamentados pela convenção como familiares e residenciais, não se enquadram no art. 23, caput, da Lei Federal nº11.771/08, que dispõe sobre a Política Nacional de Turismo. Ao analisarmos a Portaria nº100/2011, do Ministério do Turismo, o Sistema Brasileiro de Classificação de Hospedagem (SBClass), nem mesmo seria possível enquadrar os apartamentos residenciais no inciso VI, do tópico “Meio de Hospedagem”, que trata do “cama e café”, pois não se pode admitir prestação de serviços no condomínio destinado apenas a residência.
LOCAÇÃO DIÁRIA NÃO É PREVISTA NA LEI DO INQUILINATO
Nos termos da Lei do Inquilinato, nº 8.245/91, a locação diária é regulada pelo Código Civil e pelas leis especiais, conforme artigo 1º da Lei do Inquilinato, parágrafo único, que a enquadra entre os “apart- hotéis, hotéis – residência ou equiparados, assim considerados aqueles que prestam serviços regulares a seus usuários e como tais sejam autorizados a funcionar”.
Portanto, não pode o locador, para forçar o condomínio a permitir a hospedagem, alegar que a locação por meio do Airbnb seria aquela prevista no artigo 48 da Lei do Inquilinato, pois essa se destina “à residência temporária do locatário, para prática de lazer, realização de cursos, tratamento de saúde, feitura de obras em seu imóvel, e outros fatos que decorrem tão-somente de determinado tempo, e contratada por prazo não superior a noventa dias, esteja ou não mobiliado o imóvel”. O legislador da Lei do Inquilinato, previu a locação de temporada somente para aumentar a segurança do locador nesse tipo de locação de risco, que pode ter o prazo de no máximo 90 dias, o que difere bastante da locação diária.
Em nenhum momento a Lei do Inquilinato entra em choque com a convenção do condomínio, sendo praxe nos contratos de locação prever o dever de o locatário respeitar a convenção, pois esta tem o poder de regulamentar o uso das unidades, consagrando assim, sua legitimidade em limitar o direito de propriedade.
Além disso, na locação por temporada, mesmo quando o apartamento é mobiliado, o locador não oferece serviços regulares aos ocupantes, justamente por não ser um hotel ou apart-hotel, os quais têm uma estrutura profissional (controle de acesso de maior volume de estranhos e segurança) que impede que sejam confundidos com um prédio residencial. Os termos do art. 1º da Lei do Inquilinato, parágrafo único, se aplica no caso do Airbnb, ou seja, serviço de hospedagem diária que é bem diferente de locação por temporada (prazo até 90 dias) prevista no art. 48 da citada lei.
Assim, a locação diária de apartamento ou de quarto não pode ser realizada em condomínios residenciais, exceto se for alterada a destinação do condomínio no convenção, o que é quase impossível diante da exigência do quórum unânime e por não se enquadrar nas exigências da Lei 11.771/08 (art. 23, parágrafo 1º, cadastro do Ministério do Turismo), do Decreto 7.381/10, não havendo como obter o registro na EMBRATUR nos termos do artigo 3º, do Decreto 84.910 de 1980.
O SÍNDICO PODE IMPEDIR ENTRADA DO HÓSPEDE
O síndico pode impedir a entrada do hóspede, pois o art. 1.348 do Código Civil determina ser competência dele defender os interesses da coletividade e exigir o cumprimento da lei e da convenção. Consiste um dos principais deveres da administração zelar pela segurança e essa pode ser comprometida pela alta rotatividade de pessoas estranhas nas dependências do edifício. Há casos de donos de coberturas que as alugam para finais de semana, para festas, o que caracteriza atividade comercial e prestação de serviços que ferem a convenção do prédio que é unifamiliar e residencial.
O SITE PODE RESPONDER POR PERDAS E DANOS
O site que intermedia este tipo de transação, antes de publicar a oferta, deve conferir se a convenção de condomínio prevê expressamente a destinação comercial do edifício, caso contrário oferecerá um serviço defeituoso.
Se a locação é realizada em edifício estritamente residencial, o consumidor estará sujeito a ter sua entrada barrada pelo síndico e suas férias frustradas, gerando constrangimento e sofrimento passíveis de indenização por quem lhe ofertou uma prestação de serviços de hospedagem que afronta a convenção, a Lei 11.771/08 e as normas da Embratur. Caso isto ocorra, o site, bem como o locador, podem ser responsabilizados por danos morais e materiais nos termos do artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor, tendo em vista o oferecimento de uma locação irregular:
Art. 14 . O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos.
Dessa forma, diante da análise das diversas leis que são aplicáveis aos apartamentos localizados em condomínios residências, deve o proprietário se abster de promover a locação diária que não seja autorizada previamente pelo condomínio, pois essa não se enquadra na Lei do Inquilinato. Um edifício residencial não se confunde com hotel e nem apart-hotel.
Kênio de Souza Pereira
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis.
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG.
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais e do SECOVI-MG.
Representante em MG da Associação Brasileira de Advogados do Mercado Imobiliário.
Vice-diretor em MG do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário.
keniopereira@caixaimobiliaria.com.br