Carta de Fiança Muitas Vezes Contém Armadilhas Que Eliminam a Garantia.
Na hora de alugar um imóvel, seja residencial ou comercial, uma das maiores dificuldades é oferecer uma garantia que dê segurança ao locador, especialmente quando o aluguel atinge valor elevado. A Lei do Inquilinato permite que o inquilino ofereça como garantia do cumprimento de suas obrigações contratuais, a fiança, o seguro de fiança, caução de 3 meses de aluguel ou caução em bens. É possível oferecer também um fundo de investimento para substituir o fiador, sendo que o ideal é que o valor depositado situar-se entre 12 a 30 meses de aluguel, conforme as particularidades do caso concreto.
Há imobiliárias, por excesso de boa-fé ou por desconhecer questões jurídicas, que aceitam a carta de fiança da empresa onde o inquilino trabalha, ignorando que essa carta é redigida justamente para não garantir nada quando ocorre a inadimplência. Essa garantia só não é mais frágil que a caução que se limita a três meses do valor do aluguel, pois esse montante é irrisório diante do risco da locação.
A locação consiste numa das transações mais complexas que existe, onde o profissionalismo é exigido em todos os momentos. Desde o momento da avaliação do valor do aluguel, da escolha do inquilino, da complicada análise do cadastro deste e dos dois fiadores, a vistoria do imóvel, finalizando com a redação do contrato onde dezenas de circunstâncias devem ser previstas. Justamente por isto, é que essa relação jurídica é regulada por uma lei especial.
Particularidades da locação
Cada tipo de negócio tem suas particularidades, sendo que numa locação o risco de prejuízo é proporcional ao profissionalismo empregado na condução do negócio.
Ocorrendo impontualidade no pagamento do aluguel e encargos, geralmente a imobiliária faz a cobrança administrativa e não tendo êxito, propõe a Ação de Despejo por Falta de Pagamento quando percebe que completará dois meses sem pagamento. A lei autoriza entrar com o Despejo e a Cobrança judicial com apenas um dia de atraso, mas geralmente há uma tentativa amigável de recebimento. Essa ação demora de 5 a 18 meses, caso o inquilino não quite o débito. Assim vemos, que o risco de prejuízo do locador, até que ele consiga reaver a posse de seu imóvel, pode atingir 21 meses de aluguel. Se considerarmos ainda o valor da dívida deixada pelo inquilino relativa ao IPTU, água, energia elétrica e condomínio, além dos danos à pintura e reparos do imóvel, constatamos que o prejuízo pode superar facilmente o valor de R$90.000,00, ou seja, mais de 30 meses de aluguel de R$3.000,00. Por esse motivo é que as imobiliárias não aceitam caução e exigem dois fiadores com renda suficiente para assumir de imediato a inadimplência, devendo pelo menos um deles ser proprietário de um imóvel quitado, o qual configura a real garantia de pagamento.
Garantia tem que ser séria
Mais de 85% das locações são garantidas por fiadores, sendo importante esses terem ciência de que o art. 39 da Lei nº 8.245/91 estipula que a garantia se estende até o dia em que o inquilino devolver o imóvel para o locador. Dessa forma, o fiador de uma locação não pode se furtar de garantir a locação, mesmo que a locação seja renovada por anos.
A relação de fiança está ligada a ideia de confiança, relacionamento entre pessoas que têm algum vínculo, seja de amizade, comercial ou de parentesco. Obviamente se alguém presta fiança para um inquilino é porque confia nele, tem uma relação que justifique esse favor. Ninguém é obrigado a ser fiador de uma pessoa. Todavia, se o faz é de livre e espontânea vontade e o locador aceita essa garantia convicto que ela seja séria, honesta, proveniente de boa-fé e que será honrada até o dia que o inquilino desocupar o imóvel.
Armadilhas na carta de fiança
A língua portuguesa é riquíssima, possui várias palavras semelhantes que podem ser utilizadas com sentidos diversos, possibilitando interpretações ambíguas. Além disso, a demora do Poder Judiciário em condenar e executar uma dívida de um devedor gera a ideia de que dever é vantajoso. Dessa forma, vemos nas Cartas de Fianças oferecidas pelas empresas para que seu funcionário alugue um imóvel as seguintes armadilhas:
a) Limite de prazo de validade: ignora que a Lei do Inquilinato prorroga o contrato automaticamente e afronta o art. 39 onde determina que qualquer garantia deve prevalecer até o dia em que o imóvel for devolvido ao locador;
b) Limite de valor: O locador espera que o fiador tenha confiança em seu afiançado, que garanta qualquer prejuízo e não apenas um valor fixo que irá defasar com o passar do tempo, já que a inflação existe;
c) Garantia condicionada ao vínculo empregatício: O locador não tem qualquer relação de emprego com o inquilino. Não tem sentido que se o inquilino romper seu contrato de trabalho, tal ato deixe a locação sem garantia. Será justamente na hora que o inquilino perde o emprego e a condição de pagar é que o locador mais precisará da garantia do fiador que fugirá de cumprir sua obrigação alegando que só garantiria se pudesse descontar do salário do inquilino.
d) Regras para o processo de cobrança: A carta impõe uma série de regras e procedimentos, com prazos impraticáveis, que se não cumpridos permite o fiador venha a se desobrigar de garantir a dívida.
Cabe aos locadores e às administradoras de imóveis, repudiarem essas “Cartas de fianças” restritivas. Se a empresa deseja ser fiadora de alguém que lhe interessa ou de seu funcionário, basta assinar o Contrato de Locação, como faz qualquer fiador que realmente confia em seu afiançado, sendo fundamental a boa-fé na realizaço dos contratos.
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Kênio de Souza Pereira
Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG.
Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis.
kenio@keniopereiraadvogados.com.br – (31) 2516-7008.