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ESTRATÉGIA IRREGULAR TENTA IMPEDIR O USUCAPIÃO

Há casos em que donos de imóveis deixam de exercer a função social da sua propriedade possibilitando a ocupação do local por outras pessoas, motivando a perda desse bem por meio do usucapião. Isso pode ocorrer com imóveis de pessoas físicas, grandes empresas ou até mesmo loteadoras. Porém, têm sido observadas tentativas irregulares de evitar que aquele que ocupou devidamente o imóvel abandonado obtenha o título necessário, em seu nome, para assumir a propriedade do local que ocupa mediante o registro da sentença no Ofício de Registro de Imóveis.

Inicialmente, é preciso ressaltar que a função social da propriedade é um instituto importante para a sociedade, pois obriga os proprietários a darem uma destinação útil para o seu imóvel e assim, além de evitar o descuido e a depreciação do bem, movimenta a economia com produtividade, circulação de renda e geração de empregos. Essa visão é importante para se distinguir a invasão de propriedade privada da ocupação regular, que decorre do abandono do imóvel, pois para aqueles que ignoram suas obrigações de dono, muitas vezes até deixando de pagar IPTU ou ITR, o usucapião se mostra como um resultado legal, lícito e até justo.

Acontece que o usucapião se concretiza com o decurso do tempo, o que significa que o proprietário sabe que já perdeu o imóvel por ter consciência do tempo do seu abandono. O processo judicial visa apenas constituir o título para que seja registrado na matrícula do imóvel em nome do ocupante, já que o usucapião constitui aquisição originária do bem, o que invalida inclusive uma escritura lavrada após decorrido o prazo de 5, 10 ou 15 anos de ocupação, conforme o caso.

 

DOAÇÃO MALICIOSA PARA A PREFEITURA

Ocorre que, sabendo da perda do imóvel, há casos de pessoas e empresas que tentam evitar que a propriedade seja transmitida ao ocupante doando o imóvel ao município antes de uma sentença judicial, mas depois de já ultrapassado o tempo necessário para a consolidação do usucapião. A estratégia está no fato de que a regra estabelece que o bem público não pode ser usucapido e, assim, caso o município se torne o proprietário do imóvel após a doação, ele estaria inalcançável.

A aceitação é requisito para a doção, o que quer dizer que para o município receber o bem oferecido, é necessário que ele se manifeste favoravelmente a recebe-lo. Nesse ponto, nota-se que na estratégia maliciosa do doador, a municipalidade se torna conivente na medida em que deixa de fazer o básico, que é vistoriar o imóvel doado antes de aceita-lo. Caso tivesse cuidado, o município se depararia com pessoas, na maioria das vezes humildes e despreparadas, residindo no local há 20, 30 ou 40 anos e obviamente rejeitaria a doação, já que o bem já pertence aos ocupantes.

 

OCUPANTE ENTRA COM AÇÃO CORRETA – MUNÍCIPIO OMISSO E NEGLIGENTE

Como resultado dessa conduta descuidada, aquele que tem direito ao usucapião se vê envolvido em um imbróglio ainda maior, pois além de comprovar a posse mansa e pacífica pelo prazo exigido por lei, acaba tendo que prova a má-fé do município que não registrou a escritura, e que, assim, induziu o ocupante a propor a ação somente contra o proprietário/doador desonesto.

Há diversos casos de empresas famosas, devedoras de diversos tributos municipais (ISSQN, IPTU e Taxas), sabendo que já perdeu a propriedade, oferece o imóvel para quitar tais dívidas, visando assim lesar o município ao lhe entregar um bem que só tem seu nome na matrícula do Ofício de Imóveis, sendo tal ato nulo ou anulável, conforme o caso.

A negligência, a má-fé e a omissão do município não podem prevalecer, razão que faz o juiz sábio e atento, confirmar o direito ao usucapião ao ocupante por já existir antes da doação.  

 

Este artigo foi publicano no jornal Hoje em Dia.

 

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB/MG

Diretor da Caixa Imobiliária Netimóveis

Conselheiro da Câmara do Mercado Imobiliário de MG e do Secovi-MG

kenio@keniopereiraadvogados.com.br