Danos podem ser indenizados por quem fez convenção ineficaz
Após a entrada em vigor do Código Civil, em 2003, milhares de condomínios foram estimulados a rerratificar a convenção para atualizá-la e assim melhorar a gestão, reduzir a inadimplência, eliminar dúvidas e erros comuns decorrentes dos vícios das convenções copiadas de modelos ultrapassados. Ocorre que nessa busca pelo aperfeiçoamento das convenções, alguns profissionais venderam esse serviço de maneira enganosa, mediante a cobrança de valores abaixo do mercado para obter a contratação.
Muitos condomínios têm perdido processos judiciais ou descoberto que estavam agindo sem respaldo legal ao constatarem que fundamentaram suas ações numa convenção sem qualquer valor, pois, ao se utilizarem da rerratificação sem obter o quórum de 2/3 dos condôminos. Por faltar vários requisitos que são exigidos pelo Oficial do Registro de Imóveis, os profissionais contratados para redigi-las induziram esses condomínios a erro ao afirmarem que era dispensável o registro naquele cartório. E com o registro no Ofício de Registro de Títulos e Documentos, os condôminos acreditaram estar tudo regular, quando tal registro é errado. Conforme a Lei de Registros Públicos, nº 6.015/73, art. 167, inciso I, item 17, o único cartório que pode recepcionar uma convenção de condomínio e sua rerratificação é o Ofício de Registro de Imóveis.
A Lei de Registros Públicos é clara ao determinar que a convenção de condomínio, por regulamentar a propriedade, deve ser registrada no Livro 3 do Ofício de Registro de Imóveis, conforme podemos verificar no inciso III do art. 178:
Art. 178 – Registrar-se-ão no Livro nº 3 – Registro Auxiliar:
[…]
III – as convenções de condomínio edilício, condomínio geral voluntário e condomínio em multipropriedade;
[…]
Entretanto, é cada vez mais recorrente o número de síndicos que se sentem enganados em razão do elaborador da convenção, que em alguns casos se apresentou como advogado, ter orientado que não era necessário o registro em questão, pois bastava o registro no Ofício de Registro de Títulos e Documentos para a sua eficácia, informação essa que não possui respaldo legal.
Na realidade, esses condomínios foram lesados por alguns profissionais que venderam um serviço imprestável, pois prometeram entregar uma convenção atualizada, que atendesse as exigências legais, como o quórum qualificado de 2/3 do condomínio e seu registro obrigatório junto à matrícula onde se encontram registrados os apartamentos, andares, salas ou lojas do edifício, e no final entregaram uma rerratificação que nenhum Oficial de Registro de Imóvel aceitaria, nem mesmo para ser analisada.
Em Minas Gerais há diversos casos nesse sentido, em que o “vendedor de convenção”, sabendo que a convenção que elaborou padecia de vários elementos básicos e necessários para viabilizar seu registro no Ofício de Registro de Imóveis, simplesmente entregava seu “modelo” para o síndico, colhia algumas assinaturas, muito aquém do quórum de 2/3, e afirmava que o trabalho estava perfeito.
Para dar um ar de legalidade e segurança jurídica ao síndico e demais condôminos, o redator da convenção, mesmo sabendo da invalidade do quórum, promovia o registro da convenção irregular no Ofício de Títulos e Documentos, contrariando o Código Civil, que estabelece:
“Art. 1.333. A convenção que constitui o condomínio edilício deve ser subscrita pelos titulares de, no mínimo, dois terços das frações ideais e torna-se, desde logo, obrigatória para os titulares de direito sobre as unidades, ou para quantos sobre elas tenham posse ou detenção. Parágrafo único. Para ser oponível contra terceiros, a convenção do condomínio deverá ser registrada no Cartório de Registro de Imóveis.”
INSUCESSO DO PROCESSO REVELA CONVENÇÃO SEM VALOR
Confiando que estariam bem orientados pelo profissional, os condôminos passavam a administrar o condomínio de forma a exigir o cumprimento de inovações previstas na nova convenção, que não possui qualquer eficácia, ignorando que a convenção antiga continuava em pleno vigor, pois não houve a alteração junto à matrícula do Ofício de Registro de Imóveis.
Dessa forma, inúmeros condomínios foram induzidos a erro ao cobrarem juros acima de 1% ao mês, aprovarem obras sem o devido quórum legal, aplicarem multas e exigirem atitudes que não estavam previstas na convenção original, que somente poderia ser alterada se a rerratificação houvesse sido assinada pelo quórum mínimo de 2/3 dos condôminos ou das frações ideais e registrada no cartório correto.
O magistrado, ao julgar os processos (cobrança de quotas de obras, de multas, de juros mais elevados, etc) contra os condomínios e condená-los ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios, simplesmente esclarece que a convenção que prevalece é a original, não tendo nenhum valor a alteração da convenção realizada sem a assinatura de 2/3 dos condôminos, sendo inócuo o seu registro.
DENUNCIAMOS O PROBLEMA EM 2010 À CORREGEDORIA DE JUSTIÇA
Diante da má-fé praticada pelos “redatores de convenções”, a Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG, comunicou esse expediente há anos para Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, para que tomassem providências para evitar que os condomínios continuassem a serem enganados por profissionais que vendiam o serviço de rerratificação como se fosse simples.
De maneira sábia, nossos pedidos foram atendidos na medida que o Código de Normas da Corregedoria-Geral de Justiça de Minas Gerais, Provimento nº 260, de 30/10/13, estabeleceu a proibição aos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos de registrar a Convenção de Condomínio, impedindo que eles fossem utilizados para enganar os condôminos. Dessa forma, desde o final do ano de 2013, esses cartórios estão proibidos de registrar a convenção, evitando que o “vendedor de convenções” use a desculpa de que o carimbo do cartório validaria seu trabalho precário. Vejamos o que determina a Corregedoria que regulamenta os cartórios em Minas Gerais:
Art. 358. A requerimento dos interessados, os Ofícios de Registro de Títulos e Documentos registrarão todos os documentos de curso legal no País, observada sua competência registral.
1º O interessado será informado, quando do requerimento, que o registro para fins de conservação não produzirá efeitos atribuídos a outros Ofícios de Registro, apondo-se no ato a seguinte observação: “Registro para conservação L. 6.015/1973, art. 127, VII”.
2º As garantias de bens móveis constituídas em cédulas de crédito, à exceção dos penhores rural, industrial e comercial ou mercantil, serão registradas nos Ofícios de Registro de Títulos e Documentos.
3º Os documentos cujo registro obrigatório seja atribuição de outro ofício ou órgão só poderão ser registrados para fins de conservação após seu registro no respectivo ofício ou órgão.
Para evitar qualquer dúvida, seguindo o que determina o art. 9º, § 1º, da Lei nº4.591/64, que é reproduzido pelo art. 1.331 do Código Civil, em sintonia com o art. 167, I, item 17 da Lei nº 6.015/73, que afirmam ser obrigatório o registro da convenção, bem como das suas alterações exclusivamente no Ofício de Registro de Imóveis, o Código de Normas de 2013 estabeleceu a divisão das atribuições dos cartórios. No seu artigo 622, deixa clara a proibição do Ofício de Registro de Títulos e Documentos em registrar convenções ou rerratificações, conforme podemos constatar:
Art. 622. No Ofício de Registro de Imóveis, além da matrícula, serão feitos: I – o registro: ….
n) das incorporações (Livro nº 2), instituições (Livro nº 2) e convenções de condomínios edilícios (Livro nº 3);
CONFIRA SE SEU CONDOMÍNIO TEM CONVENÇÃO INVÁLIDA
Os síndicos e os condôminos podem conferir se foram enganados e se estão conduzindo o condomínio com base num documento sem valor, bastando conferir se nele consta o carimbo do cartório de títulos e documentos, sendo essa uma forte indicação de que o cartório de registro de imóveis rejeitou o seu registro por não atender aos requisitos legais.
INFRAÇÕES COMETIDAS PELO “REDATOR DE CONVENÇÕES”
Aquele que, não sendo advogado, orienta errado o condomínio, infringe o art. 422 do CC, que exige a boa-fé e probidade nas relações contratuais, devendo responder ainda por prestação de serviço defeituoso, conforme artigo 14, §§ 1º e 4º do Código de Defesa do Consumidor (CDC): “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. § 1° O serviço é defeituoso quando não fornece a segurança que o consumidor dele pode esperar. […] § 4º A responsabilidade pessoal dos profissionais liberais será apurada mediante a verificação de culpa. O prazo prescricional será de 5 anos.
No caso do advogado, mesmo que a sua relação com clientes não se submeta ao Código de Defesa do Consumidor, caso tenha elaborado e conduzido o condomínio a erro quanto à uma convenção ineficaz, poderá vir a responder por uma indenização dentro do prazo prescricional de 3 anos.
ÉTICA PROFISSIONAL, CASO SEJA ADVOGADO
Certamente os advogados que são especializados em Direito Imobiliário elaboram as convenções e suas atualizações de maneira técnica e respeitando as normas legais. Para tanto, esclarecem que cabe ao síndico e aos condôminos a obtenção do quórum de 2/3, mas, indubitavelmente, não os orienta a registrá-la no cartório errado e sem que seja atingido o quórum legal.
Entretanto, há notícia de advogado que mesmo sabendo dos constantes erros, continuou a repeti-los, passando a utilizar, sem qualquer constrangimento, o carimbo dos Cartórios de Registro de Títulos e Documentos para afirmar que a nova convenção é válida e eficaz. Nesse caso, poderá o condomínio, além de exigir perdas e danos, fazer uma representação contra esse profissional perante a Comissão de Ética da Ordem dos Advogados do Brasil, por infração ao Estatuto da Advocacia:
Art. 34. Constitui infração disciplinar: VI – advogar contra literal disposição de lei…; XXIV – incidir em erros reiterados que evidenciem inépcia profissional; XXV – manter conduta incompatível com a advocacia; XIV – deturpar o teor de dispositivo de lei.
CONDOMÍNIO PODE EXIGIR INDENIZAÇÃO SE FOI ENGANADO
Levando em consideração a clareza dos quatro diplomas legais citados (Lei nº 4.591/64, Código Civil, Código de Normas e Lei do Registros Públicos), fica evidente que não se poderia “vender convenções irregulares”, mediante a indução dos condôminos de que o simples registro no Cartório de Registro Títulos e Documentos supriria a ausência dos requisitos legais.
Diante da cobrança pelo serviço irregular, o condomínio pode exigir do “vendedor de convenção”, a devolução do valor pago, devidamente corrigido, além da indenização por perdas e danos, no caso de prejuízos decorrentes da orientação errada e do insucesso em processos judiciais, que não existiriam se fossem orientados adequadamente ou se a convenção tivesse sido elaborada de forma correta.
Este artigo foi publicado no Jornal Diário do Comércio
Kênio de Souza Pereira
Vice-Presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal
Conselheiro da CMI-MG e do SECOVI-MG
Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário
kenio@keniopereiraadvogados.com.br