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PAGAMENTO DO ALUGUEL, A CRISE DECORRENTE DA PANDEMIA E O RISCO DE CONFLITOS

IMOBILIÁRIA QUE GARANTIU ALUGUEL TERÁ QUE PAGAR O LOCADOR

   Caso a crise decorrente da pandemia do Coronavírus perdure por mais de três meses, com milhares de empresas e escritórios fechados para evitar a propagação do Covid 19, haverá o crescimento da inadimplência nos contratos de locação. A regra do Direito Brasileiro é o cumprimento obrigatório do que foi contratado, pois somente assim há segurança jurídica, o que é que fundamental para a estabilidade dos negócios.        

   Entretanto, em casos excepcionais, o contratante pode requerer a resolução do contrato, a redução de alguma penalidade ou a revisão de cláusula que se mostre extremamente onerosa diante de fatos imprevisíveis. A teoria da Imprevisão se encontra no Código Civil (CC):

“Art. 478. Nos contratos de execução continuada ou diferida, se a prestação de uma das partes se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, em virtude de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, poderá o devedor pedir a resolução do contrato. Os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

   Haverá inquilinos, que sempre foram pontuais nos pagamentos de aluguéis, durante anos, que estando com sua loja fechada ou com seu negócio praticamente paralisado, terão maiores chances de negociar, sendo fundamental bom senso e conhecimento jurídico para contornar a situação, pois, na quase totalidade dos casos, não se enquadrarão no artigo 478 do CC. Quanto às locações residenciais, seus valores serão mantidos normalmente, pois a finalidade de moradia não foi prejudicada pela pandemia. No caso do inquilino que perdeu o emprego ou sua renda, caso deseje que o locador flexibilize alguma obrigação, deverá fornecer todos os elementos e documentos para tentar sensibilizá-lo, pois este poderá preferir fazer algum ajuste amigável a ter seu imóvel desocupado.

   Alguns devedores buscarão negociar as multas e os juros decorrentes do atraso com base no art. 393 do CC, mas tal dispositivo não se aplica nesse caso, por não existir impossibilidade de cumprir a obrigação. Pelo fato da onerosidade excessiva não poder ser confundida com a impossibilidade da prestação – que configuraria o caso fortuito e a força maior – e nem como a dificuldade de adimplemento, pois essa constitui condição de devedor e não qualidade da prestação, a maioria dos contratos de locação não terão como ser objeto de revisão judicial.

NEGOCIAÇÃO DEPENDE DE ACORDO E DIFERE DA REVISÃO TRIENAL        

   Por outro lado, as locações que estiverem com o valor do aluguel sem qualquer renegociação, há três anos ou mais, poderão os inquilinos ou locadores, com base no artigo 19 da Lei do Inquilinato, requerer a revisão judicial do seu valor a fim de ajustá-lo ao preço de mercado, caso o mesmo esteja fora da realidade.  

   Certamente, haverá casos que exigem atenção e boa vontade dos locadores. Entretanto, o alerta é que nos momentos de crise sempre surgem os mal informados e até alguns aproveitadores que buscam levar vantagem. Caberá aos advogados alertarem aos contratantes que consistirá numa aventura jurídica requerer a resolução ou revisão por onerosidade excessiva, se a situação não contiver os elementos que compõem o art. 478: I) alteração da realidade em que foi realizado o negócio, que não poderia ter sido prevista pelas partes; II) oneração excessiva para uma das partes, com concomitante vantagem extrema para a outra contratante e III) que os contratos sejam de execução diferida ou continuada.

MAIORIA DOS LOCADORES DEPENDE DO VALOR DO ALUGUEL        

   Importante frisar que os locadores também têm despesas a serem quitadas, sendo que a grande maioria possui apenas um imóvel, que foi adquirido para obter renda como aposentadoria. Fica evidente que eles não terão lucro ou vantagem com a dificuldade do inquilino em pagar o aluguel. Mais de 80% dos locadores dependem do recebimento do aluguel para manter sua família. Por isso, não poderá, na grande maioria dos casos, ser aplicada a Teoria da Imprevisibilidade diante da ausência de enriquecimento sem causa do locador. Somente se apurada a situação prevista no art. 884 CC será possível sua aplicação.

REVISÃO MAIS FÁCIL NOS SHOPPINGS        

   Por outro lado, sendo o locador um grande empreendedor, que obtém lucros expressivos de diversas formas (até de forma estranha com o rateio da quota de condomínio), como os shoppings centers, haverá condições mais favoráveis de os inquilinos pleitearem a revisão do valor.

IMOBILIÁRIA VIRTUAL TEM DEVER DE PAGAR O LOCADOR        

   Quanto às imobiliárias e startups que prometeram garantir o pagamento do aluguel, encargos e danos ao imóvel, são obrigadas a cumprir tal compromisso, que consiste num contrato aleatório, o qual não permite qualquer tipo de revisão, pois o risco é inerente à garantia que foi oferecida ao locador.

 

Esse artigo foi publicado no Jornal O Tempo.

  

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

kenio@keniopereiraadvogados.com.br – tel. (31) 99981-2532