Redação do Decreto limita apenas as atividades comercias e que geram aglomeração
O Decreto Municipal nº 17.328, publicado em 08/04/2020, criou uma regra e uma exceção. A regra: Art. 1º – A partir de 09 de abril, ficam suspensos, por prazo indeterminado, os Alvarás de Localização e Funcionamento – AFLs – de todas as atividades comerciais no âmbito do Município de Belo Horizonte, considerando as exceções previstas neste decreto. A exceção: Art. 7º – As atividades não incluídas nas restrições deste decreto, deverão funcionar com medidas de restrição e controle de público e clientes, bem como adoção das demais medidas estabelecidas pelas autoridades de saúde de prevenção ao contágio e contenção da propagação de infecção viral relativa ao COVID-19”.
O artigo 6º, especifica com clareza, para não deixar dúvidas, quais sejam os serviços sobre os quais o Decreto NÃO se aplica. Neste sentido, são: “serviços de saúde, farmácias, laboratórios, clínicas, hospitais, óticas, supermercados, hipermercado, padaria, sacolão, mercearia, hortifruti, armazém, açougue, posto de combustível para veículos automotores, lojas de materiais de construção civil, agências bancárias, lotéricas e correios, incluindo aquelas em funcionamento no interior de shoppings centers, centros de comércio e galerias de lojas…” E ainda, orienta que, embora estejam excluídos do alcance do Decreto, ou seja, não terão seus alvarás de funcionamento suspensos, devem exercer suas atividades adotando “as medidas estabelecidas pelas autoridades de saúde de prevenção ao contágio e contenção da propagação de infecção viral relativa ao COVID-19”.
Já o artigo 7º, menciona as atividades que NÃO foram especificadas pelo Decreto, portanto são deduzidas como excluídas, para orientar que, apesar de não terem sido mencionadas, ainda assim, se deve agir nelas com os cuidados de prevenção ao contágio. Essa necessidade da norma se justifica ante a possibilidade de, ao redigir o texto normativo, não terem sido mencionadas todas as atividades existentes, o que criaria uma lacuna no cumprimento do Decreto. Diante disso não se admite entender que o art. 7º se aplica aos negócios citados no art. 6º, pois haveria redundância que fere a lógica legislativa.
Cabe-nos interpretar a infeliz utilização pelo artigo 1º do referido Decreto da expressão “atividades comerciais”, uma vez que o Código Civil (CC) de 2002 já havia eliminado de vez do nosso sistema jurídico a “teoria dos atos de comércio”, fazendo-a ser substituída pela “teoria da empresa”. Desde então temos que atividade empresarial, nos termos do art. 966 do CC, é a atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços. Já os atos de comércio, originariamente, nos termos do Decreto 737 de 1850, seriam aqueles em que há compra e venda ou troca de bens móveis ou semoventes; operações de câmbio, banco e corretagem; fabricação, depósito, expedição e transporte de mercadorias; realização de espetáculos públicos, seguros, fretamentos; e a armação e expedição de navios. Por óbvio, estamos autorizados e incluir os atos comerciais no alcance das atividades empresariais. Contudo, o contrário não se aplica. Não podemos ampliar o sentido dos atos comerciais e querer que sejam os mesmos atos empresariais, simplesmente porque os atos empresariais são gênero, são mais amplos, contendo em si o entendimento antigo do que antes eram os atos de comércio, sendo este mais restrito e estando contido naquele.
O fato do parágrafo único do art. 966, do Código Civil, estabelecer “Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda quem com concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”, indica que os advogados, administradores, contadores e diversos profissionais e atividades de prestação de serviços exercidas em escritórios não se enquadram como empresas.
Neste sentido, somos forçados a entender que o Município de Belo Horizonte suspendeu os Alvarás de Funcionamento das atividades comerciais que, não podendo ser abrangidas pela ideia de empresa em seu sentido estrito, sejam legítimos atos de mercancia. Verifica-se que, embora a antiga denominação do que fosse ato de comércio ou de mercancia retratava uma realidade de outro século, fazendo a devida analogia e adequação dos termos para uma interpretação mais adequada, temos que em síntese o que diferencia os atos de comércio dos atos empresariais é que a prestação de serviço é própria dos atos empresariais, não estando incluída nos atos de comércio.
Desta forma, diante do expressão utilizada no art. 1º do Decreto, a partir de 09/04/2020, em Belo Horizonte, estão suspensos os Alvarás de Localização e Funcionamento das atividades que promovem a circulação de bens, pois a prestação de serviço não está incluída no conceito de atividade comercial.
É preciso tomar muito cuidado com o que vem sendo imposto pelo Poder Público, já que as medidas que restringem contato, determinam cuidados com prevenção e higiene, não podem, de forma alguma, se confundir com medidas que impeçam as pessoas de trabalhar, que não se enquadram nos conceitos de isolamento e quarenta definidos na Lei Federal nº 13.979, que estabeleceu as Medidas de Emergência que podem ser implantadas pelos Município e pelos Estados.
Se existem as normas específicas criadas pela Secretaria Municipal de Saúde de BH, Portaria SMS/SUS BH Nº 0097/2020, que estabelecem nos 16 incisos do seu art. 1º , todas as medidas que geram segurança para evitar o contágio pelo COVID-19, não podem as pessoas que trabalham de forma autônoma, nos escritórios e os prestadores de serviços, serem impedidas de obter seus rendimentos para se sustentarem, já que exercem suas atividades respeitando as boas práticas de evitar a propagação do COVID-19. Basta vermos que no próprio Decreto permite o atendimento individual dos clientes, a entrega em domicílio, em muitos dos casos de alguns comércios desde que sejam atendidas as normas de higienização e proteção que mitigam a transmissão do vírus.
Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje Em Dia
Kênio de Souza Pereira
Advogado – Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG
Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal