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SÍNDICO ABUSA AO IMPEDIR ACESSO AO APARTAMENTO

 

Arbitrariedade pode gerar processos por danos materiais e morais, além de penal

      Há pessoas que se aproveitam da pandemia para expor sua vocação de ditador, o que pode gerar processos contra o condomínio diante dos excessos de alguns síndicos, que afrontam o direito de propriedade e a dignidade humana ao impedirem que os moradores recebam visitas, entregas pesadas (supermercado, sacolão), prestadores de serviços (cuidadores, enfermeiras, diaristas, técnicos, etc) no seu apartamento.

     Enquanto o atual cenário de pandemia perdurar, devemos praticar medidas sanitárias para evitar aglomeração e reduzir o contágio da doença, mas sem restringir o direito de receber pessoas onde residimos, bem como os objetos e mercadorias de maior dimensão ou peso, cujo entregador é autorizado pelo morador a adentrar o prédio e levar até sua porta as encomendas feitas. Nos condomínios edilícios há grande diversidade de moradores, com diferentes necessidades, dentre elas os idosos, pessoas com dificuldade de locomoção ou de carregar objetos maiores ou sacolas. Na prática, permitir que essas pessoas recebam na porta do seu apartamento o entregador não prejudica a segurança já que o morador autorizou o acesso.

     Sendo uma encomenda pequena, uma refeição, é aceitável evitar que o entregador de delivery suba ao apartamento, podendo o porteiro receber o pacote e colocá-lo no elevador para que o morador o recolha. Entretanto, há síndico que agride a intimidade e a dignidade das pessoas ao exigir relatório médico dos moradores, além de discriminar pessoas de origem humilde (empregadas, entregadores, etc) dando a entender que tal condição fosse uma doença, pois são impedidas ou constrangidas ao entrarem no edifício. O síndico que age dessa maneira poderá ser processado, sendo importante a prova dessa afronta ao Direito, para que o juiz o condene.

     Cabe ao síndico arcar pessoalmente com sua defesa judicial, pois se monstra injusto os condôminos arcarem com posturas irracionais daquele que extrapola na condução do condomínio. Entretanto, se a atitude ilegal e constrangedora decorreu de autorização da assembleia, o responsável será o condomínio por normatizar procedimento abusivo.

CONDÔMINOS DESCONHECEM LIMITES LEGAIS

     Regulamentar o uso da propriedade, em especial numa assembleia onde vários opinam sem dominar questões jurídicas, leva os condomínios a estabelecerem regras ilegais. Pelo fato da maioria dos síndicos ser leiga, o Presidente da República vetou o art. 11, da Lei nº14.010/20, que ampliava os poderes do síndico para restringir ou proibir a realização de reuniões ou os acessos às áreas comuns, como medida provisória para evitar a propagação do coronavírus. A justificativa para impedir o síndico de interferir na utilização dos apartamentos e no direito do seu morador receber quem bem desejar, decorreu do risco de abusos por parte dos síndicos que pensam serem o “dono do prédio”.

SÍNDICO RESPONDE POR DANOS MORAIS E MATERIAIS

     Há síndico que, apesar bem-intencionado, pratica ilegalidades, como proibir a realização de mudanças do morador ou reforma no apartamento acarretando o impedimento de uso da propriedade, sob a justificativa de limitar a circulação de estranhos

no condomínio para dificultar o contágio. Outros impedem que idosos recebam entregas de supermercado em seus apartamentos, ignorando seus problemas de saúde, forçando-os a se deslocar ou a carregar peso, o que pode vir a ser caracterizado como crime de Constrangimento Ilegal, previsto no artigo 146 do Código Penal. 

     Tais abusos de poder ferem o princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que gera constrangimento ao morador e o obriga, sem qualquer base legal, a se submeter a situações que podem lhe prejudicar, especialmente diante de suas limitações.

     Caso o condomínio seja processado por causa do síndico ditador, diante do risco de pagar indenização por danos morais e materiais, poderão os condôminos, por meio da assembleia, responsabiliza-lo pessoalmente por ter cometido excesso de mandato. Destacamos que a responsabilidade do síndico é pessoal, podendo ser punido inclusive com a obrigação de ressarcir pelos danos causados e as despesas geradas com o pagamento de advogado, como podemos ver nessa decisão do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:

 APELAÇÃO CÍVEL. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONDÔMINOS E SÍNDICO. APLICAÇÃO INDEVIDA DE PENALIDADES. EXPOSIÇÃO INDEVIDA DOS REQUERENTES AOS DEMAIS CONDÔMINOS ILICITUDE CONSTATADA. DANO MORAL PRESENTE. QUANTUM DEVIDO. É devida indenização por danos morais pelo síndico que ultrapassa suas funções, aplica multas indevidas e expõe vexatoriamente os requerentes perante os demais condôminos. O quantum arbitrado para fins de indenização por danos morais deve observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Obedecido tais parâmetros, não há como se reduzir o valor arbitrado. (TJMG – AC: 10079084005119001- Rel. Ângela de Lourdes Rodrigues, julgado em 18/11/14, 10ª Câm. Cível – Pub. 28/11/14)

 PODER JUDICIÁRIO REJEITA NORMAS ABUSIVAS DO CONDOMÍNIO

     Para demonstrar a falta de sensibilidade e de razoabilidade praticada por alguns condomínios que estabelecem regras ilícitas, por ignorarem o risco de vir ser condenados a indenizar, podemos citar como exemplo a decisão judicial que repudiou o regimento interno que estipulava que o tutor de animal doméstico deveria colocá-lo no colo ao transitar pelas áreas comuns, no caso, corredores, escadas e portaria.

     O Juiz anulou a multa aplicada à tutora que demonstrou ser inaceitável que ela fosse obrigada a carregar seu cão, pois fere a dignidade humana impor tal esforço, sendo ela idosa e o cão de porte médio. A imposição do condomínio visava, na prática, punir quem tivesse um pet no apartamento. A procedência da ação que anulou as multas, diante da perseguição ou humilhação promovida pelo síndico viabiliza a propositura da Ação de Danos Morais e Materiais por parte da tutora do cão. A decisão judicial que repudiou o artigo que imponha o idoso de transitar com seu cão somente no colo e anulou as multas aplicadas pelo síndico deixou evidente que o condomínio não tem poder de criar regras sem fundamento jurídico.

      Vejamos a decisão do 1º Juizado Especial Cível de Brasília-DF (processo número 0717290-45.2015.8.07.0016) que julgou procedente o pedido para declarar nulas as multas impostas pelo condomínio em razão da condômina se recusar a transportar o seu animal no colo ao transitar pelo edifício:

 “(…) Na hipótese, entendo que é necessária a adequação da norma prevista na convenção de condomínio à lei, pois a determinação para que os moradores transitem com seus animais de estimação no colo se mostra ilegítima. Se a finalidade da norma é prevenir doenças e proporcionar segurança aos demais moradores esta não atinge o seu fim. O fato do animal estar no colo, por si só, não impede a proliferação de doenças. A fim de zelar pela higiene das áreas comuns e saúde dos demais moradores é direito do condomínio exigir do tutor do animal: a boa higiene destes, a comprovação da aplicação das vacinais e vermífugos, e nos casos em que o animal suje as áreas comuns a pronta higienização do local” (Processo: 0717290-45.2015.8.07.0016).

      A exigência do condomínio de obrigar um idoso, pessoa deficiente ou com limitação a transportar compras de supermercado ou objetos que poderiam ser levados à sua porta pelo entregador, se assemelha à abusiva exigência de que o cão seja carregado no colo. Os dois casos impõem sacrifício irracional que extrapola as condições físicas, criando uma situação humilhante. Nesse sentido, o Juiz entendeu que:

 “(..) a exigência que o morador leve seu animal no colo, seja no elevador, ou nas áreas comuns, torna inviável a posse de animais de estimação pelos moradores idosos, portadores de necessidades especiais, ou com problemas de locomoção, permanentes ou não, caracterizando assim violação ao direito de propriedade, previsto no inciso XXII do artigo 5º e o artigo 1.228 do CC/2002. Desta forma, entendo ser imprescindível para prevalência das multas aplicadas a prova contundente que o trânsito do animal da demandante, no chão, pelas áreas comuns do edifício acarretou prejuízo ao sossego, à salubridade ou à segurança dos moradores (art. 1.336, C.C). Sem tal comprovação nos autos, impõe-se reconhecer a nulidade das multas aplicadas, e o reconhecimento do direito da demandante a transitar com seu cão, no chão, desde que observado as regras constantes na legislação vigente.”

 POSSIBILIDADE DE PROCESSO PENAL

      Como já mencionado, caso o síndico pratique atos além dos previstos no artigo 1.348 do Código Civil, de maneira a criar uma situação de coação, dentre elas, impedir a mudança, o recebimento dos alimentos que foram comprados no supermercado, de algum móvel, etc., ou aplicar multa pelo fato do morador determinar que o entregador suba ao seu apartamento com as mercadorias, poderá vir a configurar o crime de Constrangimento Ilegal, nos termos do artigo 146 do Código Penal, in verbis:

 Art. 146 – Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:

     Pena – detenção, de três meses a um ano, ou multa.

     Obrigar um condômino ou morador a se submeter a situação desnecessária, diante da sua idade, fragilidade ou condição física, que venha a causar-lhe risco de acidente ou constrangimento, caracteriza abuso daquele que exerce função de síndico que lhe foi delegada pelos demais condôminos, com o fim de desempenhar e fazer cumprir as determinações da assembleia, o Regimento Interno e a Convenção. Entretanto, quando um artigo do regimento ou deliberação da assembleia afronta a lei, sua aplicação pode acarretar o constrangimento ilegal, por extrapolar o bom senso, não podendo a questão da segurança ser usada como justificativa.

     Portanto, os síndicos devem tomar mais cuidado com seus atos frente à pandemia, cabendo aos condôminos repudiarem imposições que venham a ofender a dignidade das pessoas, em especial, das pessoas que são protegidas pelo Estatuto do Idoso.

 
Belo Horizonte, 31 de maio de 2021.

 

 Esse artigo foi publicado no Jornal Hoje em Dia.

 

Kênio de Souza Pereira

Presidente da Comissão de Direito Imobiliário da OAB-MG

Vice-presidente da Comissão Especial de Direito Imobiliário da OAB Federal

Membro do IBRADIM – Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário

Conselheiro do Secovi-MG e da Câmara do Mercado Imobiliário de MG

Árbitro da Câmara Mineira de Arbitragem Empresarial – CAMINAS

kenio@keniopereiraadvogados.com.br